sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Não estou sozinha!

Toda escola tem que seguir uma rotina. Não tem jeito. É importante para o aprendizado das crianças.

Mas, por mais paradoxal que possa ser, num local onde a rotina é tão essencial, você pode ter certeza de uma coisa: nenhum dia, absolutamente nenhum, é igual ao outro.

É bem corrente no meio docente a seguinte frase: Temos que matar um leão por dia. Ok, eu concordo, mas ontem foi um dia tão sinistro que eu acho que matei dois.

Começou assim: fui olhar minha conta no banco pelo aplicativo e vi um lançamento absurdo. Já fiquei estressada. Tinha que resolver o mais rápido possível. Olho no relógio: já era quase 1 da tarde. Iria chegar atrasada na escola.

Ligo para a vice-diretora, explico a situação, ela me libera. Passo no banco, querendo chorar de raiva durante o tempo que passei lá, e saio correndo para o trabalho.

Já chego à escola desestabilizada e chateada por chegar tarde resolvendo algo que nem era culpa minha, mas do bendito banco.

Enfim... Entro na sala e já recebo a notícia de todas as crianças: AJ está trancada no banheiro, dando “chilique”. Minha chefe me explica:

- Lívia, briguei com ela porque estava batendo em um colega. Ela deu escândalo e saiu da sala. Já chegou “atacada”. Me deu um chute que quase pegou no meu queixo e me unhou.

Comecei a orar... Deus, tem misericórdia dessa menina... Eu não sei o que fazer...

Pensei: já era. Desde o texto que escrevi sobre ela há algum tempo, ela deu alguns mini e grandes escândalos. O de ontem foi do último tipo. Era um “daqueles”.

Pedi para alguém ficar com ela enquanto eu dava aula...

 Mas seguiu-se uma longa tarde que parecia não acabar mais. Ela gritou pelo corredor, bateu na educadora social, minha colega foi defender e saiu com braços vermelhos e unhada. Desceram para o intervalo com meus alunos e eu fui vigiá-la. Mandei mensagem para meu marido:

- Ore por mim, estou com AJ. Ela “tá que tá”.

Ele já conhece as muitasss histórias que passei com ela...

Aí ela me deu dedo, me xingou, me deu olhares de fúria, me mandou tomar naquele lugar... Comecei a cantar, orando em pensamento...

- Cala a boca!
- Não, AJ. Você não manda em mim.
- Sai daqui, sua desgraçada, eu te odeio!
- AJ, nada do que você falar vai me mudar em relação a você. Você pode me odiar, mas eu não te odeio. Não fiz nada com você, não entendo o motivo dessa raiva. Eu não mereço essa raiva!

Ela correu pelas escadas e sentou no corredor.

Depois voltou para a sala, entrou sem bater, querendo seus cadernos.

- Só dou se disser por favor.

Ela se recusou. Não me deixou fechar a porta. Tranquei o armário. Continuei a aula.

Ela conseguiu enfiar a mão pela pequena abertura e puxou o caderno. Subiu na mesa e pegou o de cima do armário.

Não sabia se trancava a porta e não a deixava sair. Não sabia se puxava o caderno de sua mão. Se gritava, jogava tudo no chão... Não adianta, repetia para mim. Quando chega a este ponto, não adianta... Eu vou é sair da linha e eu que perco com isso...

Resolvi orar e continuar a aula. Ela saiu.

Todos da turma estavam com medo e me olhavam. Eu disse:

- Ela não é sempre assim. Vai voltar ao normal. Ninguém age assim sem motivo. Ela está machucada por dentro. Temos que cooperar.

Continuei orando...

Um tempo depois...

Não sei como Deus agiu, quem Ele usou, quem conversou com ela... Só sei que Ele ouviu e me atendeu. Só sei que ela voltou. Só sei que bateu na porta chorando. Quando olhei aquela menina, não sabia se sentia raiva ou pena. Quem é professor sabe como uma situação dessa tira nosso chão...

Pensei, orei de novo e disse:

- A porta ficará aberta. Você pode entrar se quiser.

Ela entrou. Ouviu a história da Chapeuzinho Vermelho com a luva de dedoches. Brincou com ela quando deixei que pegassem.

Comecei a escrever no quadro.

- Você lanchou, AJ?
- Não.
- Quer biscoito?
 - Sim.

Eu dei... Ela comeu, pegou o caderno, escreveu o cabeçalho. Meu aluno olhou e disse:

-Tia, ela já está voltando ao normal, né?

Fiz que sim com a cabeça.

Chamei-a à minha mesa para corrigir o dever de casa. Quando acabamos, comecei a conversa.

- AJ, que show foi esse que você deu hoje?

A conversa foi longa... Muito longa...

E terminei dizendo:

- Não é a primeira vez que você faz isso. Não é a primeira vez que dá chilique. Não vou te obrigar, mas você deveria pedir desculpas para todos que você ofendeu e bateu hoje... E, se você está arrependida, não vai só pedir desculpas. Vai mudar de atitude e não voltar a fazer de novo.

Enfim... Ela pediu desculpas... Não com uma carinha muito boa, estava de fato meio sem graça, mas pediu...

Ufa. Saí esgotada. Mas com uma certeza: senti na pele o que é ver Deus respondendo uma oração! Uau! Sou testemunha disso! Ele realmente nos ouve e atende!

Não sei se ela se arrependeu mesmo... Não sei se irá mudar... Não sei se irei enfrentar outro chilique. Mas creio que Deus pode fazer esse milagre e mudá-la, se esta for a vontade dEle.

E sei que, independente de chilique ou não, Ele está comigo, ouvindo meu clamor, atendendo à minha oração, me dando sabedoria, acalmando meu coração, me dizendo o que fazer... Não estou sozinha!

“Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.” Filipenses 4:6

Pode confiar, Ele ouve e responde mesmo!

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